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Hoje me pergunto porque não fotografei algo marcante da minha viagem: a pobreza. Talvez porque não fui documentar nada. Não tinha pretensões. Mas há algo curioso. Como Ernesto Che Guevara andou pela América na sua adolescência quando ainda cursava medicina na Argentina, muitos ainda o fazem da mesma maneira: buscando imergir na realidade social da América Latina. Porém o fato é que ninguém que viaja pelos os Andes passa por ali sem ser afetado e não reflete sobre a situação dos nossos irmãos, situação essa que também é nossa. Não que eu queira me redimir do fato de não ter registrado a pobreza, até porque não acho que foi um erro, mas quero transcrever para esse fotoblog um trecho do livro "As Veias Abertas da América Latina" de Eduardo Galeano. Não foi um erro porque só que vê com os próprios olhos a realidade espalhada pode ter a percepção correta.
" Para os que concebem a História como uma disputa, o atraso e a miséria da América Latina são os resultados de seu fracasso. Perdemos; outros ganharam. Mas acontece que aqueles que ganharam , ganharam graças ao que nós perdemos: a história do subdesenvolvimento da América Latina integra, como já disse a história do desenvolvimento do capitalismo mundial. Nossa derrota esteve sempre implícita na vitória alheia, nossa riqueza gerou sempre nossa pobreza para alimentar a prosperidade dos outros: os impérios e seus agentes nativos. Na alquimia colonial e neo-colonial, ouro se transforma em sucata e os alimentos se convertem em veneno. Potosí, Zacatecas e Ouro Preto caíram de ponta do cimo dos esplendores dos metais preciosos no fundo buraco dos filões vazios, e a ruína o destino do pampa chileno do salitre e da selva amazônica da borracha, o nordeste açucareiro do Brasil, as matas argentinas de quebrachos ou alguns povoados petrolíferos de Maracaibo tem dolorosas razões para crer na mortalidade das fortunas que a natureza outorga e o imperialismo usurpa. A chuva que irriga os centros do poder imperialista afoga os vastos subúrbios do sistema. Do mesmo modo, e simetricamente, o bem-estar de nossas classes dominantes – dominantes para dentro, dominadas de fora – é a maldição de nossas multidões, condenadas a uma vida de bestas de carga.
A brecha se amplia. Em meados do século passado, o nível de vida dos países ricos do mundo excedia em 50% o nível dos países pobres. O desenvolvimento desenvolve a desigualdade: Richard Nixon anunciou, em abril de 1969, em seu discurso perante a OEA, que no fim do século XX a renda per capita nos Estados Unidos será quinze vezes mais alta do que esta mesma renda na América Latina. A força do conjunto do sistema imperialista descansa na necessária desigualdade das partes que o formam, e esta desigualdade assume magnitude cada vez mais dramáticas. Os países opressores tornam se cada vez mais ricos em termos absolutos, porém muito mais em termos relativos, pelo dinamismo da disparidade crescente. O capitalismo central pode dar se ao luxo de criar a acreditar em sues próprios mitos de opulência, mas os mitos não são comíveis, e os países que constituem o vasto capitalismo periférico o sabem muito bem. A renda média do cidadão norte-americano é sete vezes maior do que a de um latino-americano, e aumenta num ritmo dez vezes mais intenso. E as médias enganam, pelos insondáveis abismos que se abrem, ao sul do rio Bravo, entre os muito pobres e os poucos ricos da região. No topo, com efeito, seis milhões de latino-americanos açambarcam, segundo as Nações Unidas, a mesma renda que 140 milhões de pessoas situadas na base da pirâmide social. Há 60 milhões de camponeses , cuja fortuna ascende a 25 centavos de dólares por dia, no outro extremo, os proxenetas da desgraça dão se ao luxo de acumular cinco milhões de dólares em suas contas privadas na Suíça ou nos Estados Unidos, e malbaratam na ostentação e luxo estéril – ofensa e desafio- e em inversões improdutivas, que constituem nada menos do que a metade da inversão total, os capitais que a América Lati a poderia destinar à reposição, ampliação e criação de fontes de produção e trabalho. Incorporadas desde sempre à constelação do poder imperialista, nossas classes dominantes não tem o menor interesse em averiguar se o patriotismo poderia ser mais rentável do que a traição ou se a mendicância é a única forma possível de política internacional. Hipotecam se a soberania porque "não há outro caminho", os álibis da oligarquia confundem interessadamente a impotência de uma classe social com o presumível vazio de destino de cada nação.
Josué de Castro declara: "Eu, que recebi um prêmio internacional da paz, penso que, infelizmente , não há outra solução que a violência para a América Latina". Cento e vinte milhões de crianças no centro se agitam no centro dessa tormenta. A população da América Latina cresce como nenhuma outro , Em meio século triplicou com sobras. Em cada minuto morre uma criança de doença ou de fome mas no ano de 200 haverá 650 milhões de latino-americanos e a metade terá menos de 15 anos de idade: uma bomba de tempo. Entre os 280 milhões de latino-americanos há, atualmente , cinqüenta milhões de desempregados ou subempregados e cerca de cem milhões de analfabetos, a metade dos latino-americanos vive apinhada em moradias insalubres. Os três maiores mercados da América Latina – Argentina, Brasil e México – não chegam a igualar somados , a capacidade de consumo da França ou da Alemanha e mesmo que a população reunida de nossos três grandes exceda de muito a de qualquer país europeu. A América Latina produz hoje em dia, em relação a sua população, menos alimentos do que antes da última guerra mundial, e suas exportações per capita diminuíram três vezes, a preços constantes desde a véspera da crise de 1929. O sistema é muito racional do ponto do vista de seus donos estrangeiros e de nossa burguesia intermediária, que vendeu a alma ao Diabo por um preço que teria envergonhado Fausto. Mas o sistema é tão irracional para com todos os demais que, quanto mais se desenvolve, mais se tornam agudos seus desequilíbrios e tensões, suas fortes contradições. Até a industrialização tardia e dependente , que comodamente coexiste com o latifúndio e as estruturas da desigualdade, contribui para semear o desemprego ao invés de tentar resolve-lo, estende-se a pobreza e concentra-se a riqueza, que conta com imensas legiões de braços cruzados, que se multiplicam sem descanso. Novas fábricas se instalam nos pólos privilegiados do desenvolvimento – São Paulo, Buenos Aires, a cidade do México - , porém reduz-se cada vez mais o número da mão de obra exigido. O sistema não previu esta pequena chateação : o que sobra é gente. E gente se reproduz. Faz-se o amor com entusiasmo e sem precauções. Cada vez mais, fica gente à beira do caminho, sem trabalho no campo, onde o latifúndio reina com suas gigantescas terras ociosas, e sem trabalho na cidade, onde reinam as máquinas: o sistema vomita homens. As missões norte-americanas esterilizam maciçamente mulheres e semeiam pílulas, diafragmas, DIUs, preservativos e almanaques marcados, mas colhem crianças, obstinadamente, as crianças latino-americanas continuam nascendo, reivindicando sei direito natural de obter lugar ao sol, nestas terras esplendidas, que poderiam dar a todos o que a quase todas negam. "